Breve biografia de Allan Kardec e as origens do espiritismo

Breve biografia de Allan Kardec e as origens do espiritismo

 

HIPPOLYTE LÉON Denizard Rivail era seu nome verdadeiro. No seu país de origem (França) e em todo o mundo é quase um completo desconhecido, mas no Brasil é tido, por uma parcela da população, como um grande personagem da História, um "mestre" da humanidade.

Nascido filho de um casal de classe média, desde cedo demonstrou uma grande aspiração em obter reconhecimento acadêmico e público, e principalmente de alcançar o status de intelectual, algo muito valorizado na sociedade do seu tempo. Inicialmente, procurou destacar-se em áreas diversas do conhecimento, como química, física e anatomia. 

Em certo ponto de sua carreira, parece ter-se perdido entre disciplinas, talvez indeciso com que rumo tomar, estudando um pouco de muitas áreas mas sem chegar a aprofundar-se em nada especificamente. Foi acusado de plágio por seu costume de copiar grandes trechos de obras consagradas e adaptá-las ao seu modo de pensar, hábito que vem desde muito cedo em sua carreira, quando tentou publicar livros como "A química de fulano de tal segundo Hippolyte L. D. Rivail" ou "A matemática de sicrano, segundo H. Léon Denizard Rivail".

Com o nome negativamente associado a esses fracassos iniciais, exatamente nesse período de aceitação das suas limitações pessoais, que se impunham como obstáculo praticamente intransponível para que fosse aceito no rigoroso mundo acadêmico da época, Rivail tomou conhecimento da nova moda que agitava uma parcela da elite burguesa da época: o controverso alegado fenômeno das chamadas "mesas girantes", supostamente provocados por "espíritos", que encantava moçoilas e rapazes festivos e frívolos, em sua maioria com muito dinheiro para gastar e poucas aspirações sérias para a vida. Rivail parece ter percebido ali uma oportunidade de se destacar.

Passou então a frequentar as mansões da sociedade, acompanhando de perto as manipulações de magnetizadores e ilusionistas que produziam truques como mesas se movendo e pancadas ouvidas em salas fechadas, a maioria sem se comprometer em afirmar que se tratavam de fenômenos reais: eram encontros que aconteciam mais como passatempo, por pura diversão, sem nenhuma pretensão científica. Posteriormente, tais demonstrações foram abundantemente desmascaradas como truques e fraudes grosseiras, mas...

Mas, por motivos desconhecidos, ao invés de denunciar as fraudes, Rivail dedicou-se ao "estudo" e à estruturação do que passou a chamar de "fenômeno mediúnico". Foi quando resolveu mudar de nome, de Rivail para Allan Kardec (estando seu nome de batismo, como visto, desacreditado nos meios acadêmicos), e novamente passou a plagiar obras consagradas, dessa vez religiosas. Com alguma criatividade e praticamente nenhum rigor científico, juntou elementos de textos sagrados de grandes religiões universais para criar uma doutrina própria, ato que seus seguidores viriam a classificar com o indefinível termo "codificação" ou "decodificação".

Copiar e juntar ideias contidas em livros sagrados vários e princípios essenciais de diversas tradições religiosas antigas, bem como juntar crenças e doutrinas orientais com certos aspectos específicos do cristianismo, misturando tudo com vistas a comprovar pontos de vista próprios, forçando uma harmonia impossível entre o Evangelho e a crença hinduísta na reencarnação: este ato passou a ser denominado, pelos espíritas, como a "codificação do espiritismo"...

No auge de sua carreira, Kardec chegou a gozar de livre acesso aos meios burgueses e festas badaladas da alta sociedade, até que o modismo da comunicação com os mortos esfriou. Consta que morreu deprimido, não sendo mais convidado para os grandes eventos e nem tendo conseguido se destacar no ambiente acadêmico.


Fundadoras indiretas do espiritismo dito "kardecista": as irmãs Fox

O espiritismo "codificado" por Kardec teve como base o desenvolvimento de práticas mais antigas de necromancia (consulta aos mortos). Dentre os nomes mais evidentes desse tipo de espiritismo anterior a ele, encontramos o de Franz Anton Mesmer, que assombrou a Europa pelos idos de 1774 com seus "prodígios na prática do espiritismo e do hipnotismo", e Swedemborg, contemporâneo de Mesmer, que dizia ter recebido de Deus o poder para explicar as Escrituras e comunicar-se com o outro mundo...


Margareth e Catharine Fox

Além das influências de Mesmer e Swedemborg, o que mais despertou a atenção de Kardec foram as experiências das irmãs Margareth e Catharine Fox, que provocaram grande sensação na época: diversos místicos e cientistas amadores realizaram "pesquisas" e pseudo-experiências com as moças.

Foi em Hydesville, Nova York, no ano de 1848, que Margareth Fox e sua irmã Catharine promoveram o início do espiritismo moderno. Elas alegaram que vinham ouvindo "pancadas" compassadas na casa onde moravam, e que responderam também com pancadas e estalidos de dedos, tendo ouvido respostas. Criaram, então, uma espécie de código de comunicação com um "espírito", que segundo elas teria pertencido a um antigo morador daquela casa, assassinado com a idade de trinta e um anos.

Curiosos de toda a parte foram atraídos pela história, e as irmãs Fox davam verdadeiros "shows" de comunicação com o tal "espírito", "conversando" com ele através de "pancadas" na madeira... Tais acontecimentos foram divulgados de tal maneira que abalaram o pensamento de muitas pessoas. Um esqueleto humano, convenientemente encontrado na adega da casa, em local escondido, deu às alegações das irmãs uma divulgação ainda maior, e elas acabaram recebendo uma credibilidade tão grande que atraíram o interesse de pessoas de todas as camadas sociais. Ficaram famosas e passaram a promover espetáculos de "efeitos físicos", os quais, segundo elas, eram conduzidos por espíritos.

Os espíritas da época afirmaram, publicamente, que o espiritismo começou com as irmãs Fox. No "Congresso Internacional do Espiritismo", realizado em 1925, em Paris, foi aprovada a proposta de exigir um monumento comemorativo em Hydesville, que recebeu a seguinte inscrição: "Erigido a 4 de dezembro de 1927, pelos espíritas de todo o mundo, em comemoração da revelação do espiritismo moderno em Hydesville (NY), a 31 de março de 1848, e em homenagem à mediunidade, base de todas as demonstrações sobre as quais se apoia o espiritismo".[1] - Em homenagem às irmãs Fox, foi gravada e instalada em Hydesville, na residência das irmãs, a placa com as seguintes inscrições: "Casa de habitação das irmãs Fox, cuja comunicação mediúnica com o mundo espírita foi estabelecida a 31 de março de 1848. A morte não existe. Não há mortos"[1].


Mas...

Apesar de toda a divulgação e de toda a empolgação dos entusiastas do espiritismo que nascia, o fato é que tanto Catharine como Magareth Fox acabaram se retratando publicamente e confessando a farsa que haviam elaborado

Magareth foi a primeira. Ela sempre tivera uma vida atribulada: enquanto ganhava dinheiro e ficava famosa às custas das representações teatrais em que fingia invocar espíritos, cada vez mais afundava-se no alcoolismo, e foi processada por maltratos aos seus filhos. Depois de muito sofrimento, caindo em si, resolveu confessar a sua fraude. O jornal New York Herald de 24 de setembro de 1888 publicou na íntegra a sua retratação. O mesmo jornal, pouco depois, em 10 de outubro do mesmo ano, publicou a retratação de sua irmã Catharine Fox.

Magareth, no dia 21 de outubro de 1888, um mês após a sua retratação pública, ainda compareceu ao palco da Academia de Música de Nova York, onde fez questão de desmascarar-se a si mesma e denunciar publicamente todas as mentiras que levaram muitos a acreditar no espiritismo[2]. Diante de uma numerosa assembleia, formada por pessoas que ali haviam comparecido porque ainda acreditavam na sua "mediunidade" e que por conta de suas suas artimanhas haviam se tornado espíritas, ela demonstrou os truques de mágica que haviam sido feitos sob o disfarce de "mediunidade". Foi um grande alvoroço, e do grande número de espíritas presentes na casa, muitos negavam-se a aceitar os fatos. A maioria dos presentes, porém, viu-se obrigada a aceitar que tivera sido ludibriada. A Sra. Margareth Fox Kane manteve-se de pé sobre o palco; tremendo e muito envergonhada, abjurou solenemente do espiritismo, enquanto sua irmã Catharine Fox Jencken, de um camarote, dava assentimento a tudo que ela dizia... 

Foi colocado diante dela uma mesinha de madeira. Tirando o sapato, Margareth colocou sobre a mesa o pé direito. Toda a platéia prendeu a respiração, sendo recompensada por uma série de pequenas e fortes pancadas - aqueles misteriosos sons que, por mais de quarenta anos, tinham assustado e atordoado milhares de pessoas nos EUA e na Europa. Uma comissão composta de três médicos escolhidos entre a platéia subiu ao palco, e após haver-lhe examinado o pé enquanto batia os "toques", concordou, sem hesitação, que o ruído era produzido pela ação da primeira articulação do dedo grande do pé. Um ano depois, por razões desconhecidas, Margareth resolveu desmentir a própria confissão, alegando que tinha recebido dinheiro para fazê-lo, o que de fato não fazia nenhum sentido, pois ela teria muito mais a ganhar, financeiramente falando, se mantivesse a história inicial. Além disso, sua irmã Katherine não voltou atrás em suas declarações e, de todo modo, Margareth já havia demonstrado, publicamente, como produzia os misteriosos estalos que atribuíam a espíritos do além... Abaixo, a confissão literal de Margareth, feita em outubro de 1888:

"Minha irmã Katie foi a primeira a descobrir que por esfregar os dedos podia produzir certo ruído com as juntas e que o mesmo efeito podia ser produzido com os artelhos. Descobrindo que podíamos criar ruídos com nossos pés - primeiro com um pé, depois com ambos - praticamos até poder fazer isso com facilidade quando a sala estava às escuras. Ninguém suspeitava de que fosse um truque nosso, pois éramos crianças ainda tão novas... Todos os vizinhos julgavam que havia algo, e desejaram descobrir do que se tratava. Estavam convencidos de que alguém havia sido assassinado na casa. Perguntaram-nos a respeito, e praticávamos as pancadas, sendo uma para "sim", três para "não", como passamos fazer daí por diante. Nada sabíamos sobre espiritismo então. O assassinato, concluíram, devia ter sido cometido na casa. Finalmente, encontraram um homem chamado Bell e disseram que o pobre inocente havia cometido um assassinato na casa, e que aqueles sons procediam dos espíritos das pessoas assassinadas. O pobre Bell passou a ser evitado e visto como assassino por toda a comunidade. No que tange a espíritos, nem eu nem minha irmã pensávamos a respeito disso. (...) Tenho visto tanto engano danoso que estou disposta a prestar assistência o quanto puder e positivamente declarar que o espiritismo é uma fraude da pior descrição. Faço isso perante Deus, e minha ideia é denunciá-lo (...). Estou convicta de que esta declaração, partindo solenemente de mim, a primeira e mais bem sucedida nesse engano, romperá a força do rápido crescimento do espiritismo e comprovará ser tudo uma fraude, hipocrisia e engano."


Kardec não soube disso

O "codificador" do espiritismo moderno, que baseou suas conclusões nas experiências das irmãs Fox,  não viveu o suficiente para assistir á retratação das irmãs, tendo falecido cerca de dezenove anos antes. Se ele estivesse vivo na época, teria sido sincero e feito uma revisão de tudo o que escrevera? Não sabemos e não temos como saber. O fato é que os escritos de Kardec ganharam força após a sua morte e até mesmo após a elucidação da fraude das Irmãs Fox. 

Já que na prática as espíritas nada podiam provar, passaram das tentativas de comprovação empírica de suas doutrinas para a pura pregação teórica. Assim permanece até os dias de hoje.

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Fontes e ref. bibliográfica: 
 https://www.ofielcatolico.com.br/search?q=espiritismo&btnG=Pesquisar+neste+Site